Kelly Lopes, empreendedora social e superintendente do Instituto da Oportunidade Social – IOS | Foto: Divulgação |
Por Kelly Lopes, é empreendedora social e
superintendente do Instituto da Oportunidade Social – IOS
Recém-lançado, o Programa Jovem Aprendiz Paulista é uma iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, em parceria com a pasta de Projetos Estratégicos, criado para incentivar microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) a contratarem estudantes, de 14 a 18 anos, matriculados no ensino fundamental ou médio da rede pública de ensino, em vagas de aprendizes.
A proposta do governo do estado de São Paulo, em resumo, é oferecer uma plataforma que funcionará como uma espécie de ‘tinder do emprego’, conectando os jovens com as pequenas empresas. Ambos entram na plataforma e realizam um cadastro de quem oferta e de quem procura por emprego nesse perfil. O programa prevê incentivar a contratação de até 60 mil estudantes e investimentos de R$ 145,5 milhões por parte do Estado.
Naturalmente, após o seu lançamento, diversas dúvidas e comparações surgiram entre o Programa Jovem Aprendiz Paulista, que se restringe ao Estado de São Paulo, e a Lei da Aprendizagem 10.097/2000. No comparativo, as duas apresentam diferenças como: enquanto a Lei da Aprendizagem 10.097/2000 atende a jovens entre 14 e 24 anos de idade e indica que as empresas devem admitir de 5% a 15% de aprendizes, o Programa Jovem Aprendiz Paulista é para jovens entre 14 e 18 anos de idade com a obrigatoriedade de apenas uma vaga por empresa.
Além disso, segundo a Lei de Aprendizagem, o contrato é constituído por empresa, jovem e organização formadora a ser escolhida pela empresa. Já no Programa Jovem Aprendiz Paulista, o contrato é constituído por empresa contratante, jovem e o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) é que determina qual será a organização formadora.
A divulgação do investimento público de R$ 145,5 milhões neste programa gerou um falso entendimento, por parte de algumas empresas, de que o valor do salário do jovem aprendiz ou os encargos trabalhistas seriam subsidiados pelo Governo. Este entendimento é completamente equivocado.
Do ponto de vista de redução de encargos trabalhistas, o único benefício que o governo do estado vai conceder para as empresas contratantes será a isenção da taxa mensal que elas pagariam para a organização certificadora realizar o Programa de Aprendizagem, um curso de qualificação, exigido pela Lei de Aprendizagem, conforme explicado no quadro anterior. O fornecedor contratado é o CIEE, e a Organização prestará este serviço em todo o território paulista, disponibilizando os cursos online.
Os demais benefícios de encargos trabalhistas, como reduzir o pagamento do FGTS de 8% para 2%, já era um benefício existente da Lei da Aprendizagem, e, portanto, disponível quando da contratação no formato da Aprendizagem Profissional.
Por parte das Organizações formadoras, gerou um incômodo a faixa etária estar limitada a 18 anos de idade. Um dos motivos está relacionado a falta de oportunidades para os adolescentes que se formaram no ensino médio durante os dois anos de pandemia por COVID-19, e consequentemente tiveram seu aprendizado escolar prejudicado e baixa empregabilidade no período.
Estes jovens, agora já maiores de idade e em sua grande maioria sem acesso ao trabalho formal, também necessitam de oportunidades para que conquistem o primeiro registro em carteira de trabalho. Quanto maior a idade, e sem respaldo de políticas públicas, mais os jovens são empurrados para o mercado informal de trabalho, ou pior, para o grupo dos ‘ném-ném’.
Outro incômodo está na aprendizagem 100% online, com conteúdos gravados. Organizações do Terceiro Setor, “calejadas” em vivenciar as dificuldades dos jovens brasileiros, preocupam-se quando uma porta de acesso a direitos humanos pode ficar “encostada”.
Ainda que eles fossem fazer o curso nas empresas que os contrataram, certamente será um problema. Sabemos bem que esse perfil de empresas atua com quadros enxutos de colaboradores e que não vão entender que esses jovens estão usando horas de trabalho para fazer um curso do governo, mesmo este sendo obrigatório.
Outro incômodo está na aprendizagem 100% online, com conteúdos gravados. Organizações do Terceiro Setor, calejadas em vivenciar a vida difícil que milhares de jovens brasileiros levam, se preocupam quando uma porta de acesso a direitos humanos pode ficar “encostada”:
- Direito à educação profissionalizante de qualidade: Do ponto de vista educacional, considerando a faixa etária e, principalmente, considerando que estamos nos referindo a jovens de menor renda, onde uma grande parte ainda não possui infraestrutura tecnológica que garanta um acesso de qualidade para o aprendizado e que possibilite, ainda, a prática, a pandemia nos mostrou que para este contexto específico, os jovens foram gravemente prejudicados em seus aprendizados quando o conteúdo educacional foi disponibilizado apenas de forma online.
- Desenvolvimento de habilidades comportamentais: As aulas estritamente online impedem as oportunidades para os adolescentes interagirem com seus colegas e professores, considerando ainda, que na empresa ele será o único profissional contratado como Aprendiz.
- Direito à proteção contra abuso e negligência: A educação profissional estritamente online pode dificultar a identificação de sinais de abuso, negligência ou violência que um adolescente possa estar enfrentando, seja doméstica ou seja no trabalho, o que pode levar à falta de proteção adequada dos direitos das crianças e adolescentes.
- Direito à diversidade e inclusão: A educação profissional estritamente online pode resultar em uma experiência educacional isolada, onde os adolescentes podem ter menos exposição à diversidade cultural, étnica, religiosa e social. Isso pode limitar seu entendimento e tolerância em relação a diferentes perspectivas, culturas e identidades.
- Direito a serviços de apoio especializado: Alunos com necessidades educacionais especiais podem não receber o suporte adequado no ambiente de educação online.
Para atender até 60 mil jovens, sem uma fiscalização adequada das condições de contratação, este programa corre o risco de gerar mão de obra barata, sem a real proposta de desenvolvimento profissional que a Lei de Aprendizagem se propõe, e ainda, com o aval do Governo Paulista.
Sobre Kelly Lopes
Kelly Lopes é empreendedora social e superintendente do Instituto da Oportunidade Social – IOS. Graduada e pós-graduada em Tecnologia da Informação, especialista em gestão para o Terceiro Setor, MBA em Gestão Empresarial pela FGV e MBA em Gestão de RH Estratégico, Kelly Lopes atuou com desenvolvimento e implantação de software por 9 anos na TOTVS. Em 2008, foi convidada a assumir a gestão do Instituto da Oportunidade Social – IOS – organização fundada pela TOTVS para promover o aprimoramento profissional e a empregabilidade de jovens e pessoas com deficiência – onde atualmente ocupa o cargo de superintendente. Kelly também é vice-presidente voluntária do Projetos Amigos da Comunidade – PAC
Sobre o IOS
Comprometido com a empregabilidade de jovens e pessoas com deficiência que tenham menor acesso às oportunidades do mercado de trabalho, desde 1998 o IOS desenvolve projetos de formação profissional gratuita em temas variados. “Administração” e “Tecnologia” compõem a grade de cursos, além do enfoque comportamental. Está entre as melhores ONGs do mundo de acordo com o ranking TheDotGood e qualificado como Entidade Beneficente de Assistência Social certificada pelo CEBAS, o IOS já formou mais de 43 mil profissionais para os setores de Tecnologia da Informação, Administração, RH e Atendimento ao Varejo. A instituição é mantida por empresas privadas como a TOTVS – sua fundadora e principal mantenedora -, Dell, Microsoft e Zendesk. Juntam-se a este grupo empresas que realizam doações via Incentivo Fiscal, como a BASF, Brasilprev, BRQ, CTG, IBM, Instituto Center Norte, Mercado Livre, 99 App, Clear Corretora, entre outras.