Notícias | Entrevista - Lelah Monteiro

Por Equipe de Redatores GarrettRH - Publicado em 07 abr 2021

Saúde sexual na vida empregatícia: o colaborador, a pandemia e as empresas

A sexóloga Lelah Monteiro fala sobre como a falta de debate sobre o assunto tem consequências para o colaborador, a empresa e a sociedade.

Lelah Monteiro – Foto por Carolina Morales

QUAIS SÃO OS IMPACTOS GERAIS?

A saúde sexual, seja nas empresas, ou no âmbito pessoal, sempre foi tratada como tabu. A respeito do assunto e de sua importância, a sexóloga Lelah Monteiro, psicanalista que atua como educadora sexual, terapeuta de casais e famílias, afirma que o assunto é pouco tratado nas companhias e aponta piora do cenário nos últimos anos. “Está tendo uma movimentação, mas como tudo segue a questão ideológica e política teve, sim, um retrocesso nos últimos anos”, garante Monteiro.

A educadora exalta a necessidade de pautar ações de conscientização sobre saúde sexual –  desde a prevenção de DSTs até medidas contra o assédio – em convenções de venda, nas melhorias de relacionamento, na relação de gênero e de hierarquias. “As empresas não conseguem lidar, porque não tem uma educação dos próprios gestores”, a partir disso, a psicanalista avalia a possibilidade de que, por não saberem do assunto, abordem a questão de maneira banal. “Falar de assuntos como sexualidade e prevenção é se preocupar de fato com o colaborador, o resto é circo. Todo mundo leva humorista, agora levar um profissional, com formação de qualidade, é para empresas corajosas”, atesta a terapeuta.

A falta de abordagem do assunto nas instituições agrava os problemas gerados por questões sexuais. Exemplo disso são casos de assédio. Por não existir políticas adequadas de combate ao abuso, as empresas perpetuam estes acontecimentos. Sobre o tema, especificamente, Monteiro avalia que ocorre muita movimentação a respeito, mas sem continuidade. “Tem muito mais Marketing do que de fato trabalhos continuados. Mudam os gestores e não se recomeça”, analisa. Para ela, as empresas são microcosmos da sociedade. “Se tivesse sido mudado nas empresas, a sociedade estaria diferente. A sociedade está ruim, a empresa está ruim. Como não vemos essa repercussão social, as empresas estão iguais”, pondera.

A psicanalista aponta que a saúde sexual é muito ampla e pode ter várias implicações no indivíduo que impactam no seu desempenho profissional. “Pessoas em relacionamentos tóxicos, muitas vezes, não entregam a demanda do trabalho, ficam agitadas”, aponta a especialista. Além disso, Monteiro mostra que dificuldades no trabalho também influenciam na saúde sexual. Por exemplo, grande parte dos homens cis (a designação cisgênero é para o indivíduo que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu) e passam por muito estresse possuem disfunção erétil, fator que pode desenvolver para ejaculação precoce. “Imagina quanto que esse homem está sofrendo e toma remédio para ereção, para ansiedade. Mas, não consegue ter desempenho sexual que se reverte no profissional”, o indivíduo fica sem foco, sem atenção. Para ela, isso também é falar de saúde sexual. A sobrecarga de trabalho, de acordo com a terapeuta, pode gerar falta de libido, fator que gera irritabilidade.

 

E NA PANDEMIA?

No início do período de isolamento social, Monteiro pontua que trouxe trabalhadores mais próximos da família e a diminuição do deslocamento, mas ficaram com exagero de trabalho. Reuniões seguidas, trabalho doméstico, cuidar das crianças, tudo se juntou. Os momentos de descanso do mundo corporativo foram extinguidos. “A falta de um encontro, um bate-papo no café fez as pessoas sentirem falta. Na sobrecarga das reuniões, sentem ausência de um olhar”, afirma.

Mais questões acerca do período contínuo em casa são levantadas, como por exemplo, as vítimas de violência doméstica que quando iam ao trabalho estavam seguras, mas em casa integralmente, ficam com o agressor. “Se o home-office trouxe coisas boas no início, também tem tido, muitos danos na saúde mental e sexual”, relata. Monteiro lembra de casais que trata nas terapias individuais, que dizem não transar mais. “Eles dizem: temos todo o tempo do mundo, mas não vai mais. Porque é tudo igual. Acordo, almoço e janto com essa pessoa. A gente não se suporta”, para a psicanalista, isso mostra como um pouco de saudade e privacidade colabora no relacionamento interpessoal.

Entretanto, não são só as pessoas com relacionamentos estáveis e fixos que sofreram as consequências da pandemia. No caso de pessoas que moram sozinhas, solteiras e sem companhia no isolamento, o cenário é outro. Segundo a sexóloga, o orgasmo é necessário para o bom funcionamento do organismo. O estresse sempre possuiu relação com o relaxamento. Portanto, segundo ela “faz muita falta, poderia falar que a indústria de vibradores cresceu, mas a gente não vive só de vibradores, a gente vive de beijo na boca, de carinho, de aconchego, de olho no olho”, conclui.

 

O QUE AS EMPRESAS PODEM FAZER?

Para Monteiro, o mais adequado a se fazer é abordar o tema da maneira mais científica possível. “É necessária uma linguagem simples, objetiva e tratar de questões que podem estar acontecendo na empresa”, aconselha. Lembra, ainda, que a pauta do assédio deve ser tratada com um compliance na companhia. Ou seja, ter um RH e gestores imparciais que acolham e escutem, pois “vítimas são sempre vítimas, muita gente tem medo de expor o abusador”.

A palestrante assegura que urge falar sobre a diversidade e incluí-la. “Trazer o direito à cidadania na prática dentro da empresa. Para que depois da palestra, continuem pensando e mudando a consciência sobre o assunto abordado”, ressalta.

Evidencia-se que, se antes da pandemia o assunto era negligenciado, agora, durante, as ações pioraram. Para isso, bons gestores são necessários para trazer palestras, trabalhar com a informação e com dinâmicas, a fim de alinhar e dar suporte para a equipe. Apesar da carência desses fatores, a perspectiva não é positiva. “As empresas não estão conseguindo ver essa possibilidade”, finaliza Monteiro.