As investigações do Cade no setor de Recursos Humanos

Primeiramente cabe esclarecer, o que é o Cade?

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, responsável pela defesa da livre concorrência em todo o território nacional. Suas atividades compreendem desde o fomento da livre concorrência até a investigação e decisão, em última instância, de matéria concorrencial, como condutas anticompetitivas e fusões ou aquisições empresariais que possam criar monopólios.

Assim, este órgão no Brasil é responsável por defender e fomentar a livre concorrência, tem as premissas e o poder para investigar e julgar infrações que violem esse importante princípio da ordem econômica[1]

O começo das investigações na área de Recursos Humanos, começaram com os acordos de leniência.

O que são estes acordos?

Os acordos foram introduzidos no Brasil no âmbito da legislação Antitruste, por meio de previsão expressa inserida pela Medida Provisória 2.055, de 11 de agosto de 2000, posteriormente convertida na Lei 10.149/2000, tornando-se rapidamente o instrumento mais importante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para detecção e combate aos cartéis.

Paulatinamente, empresas brasileiras começaram a adotar a estratégia de confessar os seus crimes de cartel. Com o advento de nova legislação antitruste (Lei 12.529/2011), a Leniência ganhou ainda mais força, devido à inclusão expressa da garantia de imunidade criminal para a empresa e os colaboradores que primeiro reportem a conduta irregular.

Com efeito, desde a vigência das normas, verificou-se um crescimento no número de investigações iniciadas por empresas que optaram por delatar acordos em troca da então garantida imunidade administrativa.

É importante destacar, que mesmo as empresas brasileiras com políticas de compliance mais amadurecidas, talvez ainda não tenham incluído, dentre as práticas a serem investigadas, possíveis condutas que ocorrem em departamentos de Recursos Humanos, e agora se tem notícia de uma grande investigação.

Dr. José Del Chiaro e Luis Claudio Nagalli G. Camargo, ambos especialistas em defesa da concorrência, cabendo destacar que o Dr. Chiaro já foi secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, foram uns dos pioneiros a tratar deste tema, quando em outubro de 2019 trouxeram o tema RH em seu artigo “Vão ocorrer leniências de Recursos Humanos no Cade?”.   https://www.conjur.com.br/2019-out-30/del-chiaro-nagalli-leniencias-recursos-humanos-cade

Tomo a liberdade de destacar ao leitor partes do artigo do Dr. Chiaro e Dr. Camargo, no intuito de exemplificar a amplitude e cuidado ao tema, é que na última década, autoridades antitrustes estrangeiras vêm alertando sobre o fato de que RHs não estão imunes ao escrutínio antitruste. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Departamento de Justiça (DOJ) instaurou uma série de investigações contra empresas do Vale do Silício — dentre elas Apple, Intel e Adobe — que firmavam acordos que impediam a contratação de funcionários-chave das concorrentes.  Tais investigações mirando as práticas culminaram, em 2016, com a edição de um guia antitruste para os RHs, o Antitrust Guidance For Human Resource Professionals, editado pelo DOJ e pela Federal Trade Commission (FTC)[2].

E mais, o guia norte-americano deixa bastante claro que ao menos três práticas de RH podem ser consideradas “ilícitos antitruste”: acordos de não contratação/solicitação (no-poaching), fixação de salário ou benefícios (wage-fixing) e a troca de informações sobre composição salarial. No bojo de diversas novas investigações que sucederam o guia, declarações do DOJ sinalizam que o órgão não vê diferenças entre acordos de fixação de preços e acordos para fixação de salário ou pactos de não contratação. A autoridade inclusive, indicou a intenção de começar a responsabilizar infratores criminalmente.

A iniciativa não estava restrita só a EUA. Eles citam, que na  Europa, há notícias de que autoridades antitruste da Espanha, França e Holanda iniciaram investigações sobre práticas similares de não contratação e, mais importante, de troca de informações relativas a salários e bônus.

Na época, o artigo citou que no Brasil, o assunto parecia não estar recebendo a devida atenção das empresas, mas imaginava que estava na mira das autoridades, e mais citava que cedo ou tarde, as autoridades iriam enquadrar práticas análogas, seja na tentativa de blindagem de contratos de funcionários-chave, seja na combinação de estabelecimento de salários e benefícios, ainda que não se tratem de empresas concorrentes.

Não demorou muito, sim, caros leitores foi noticiado em março de 2021, em especial no dia 17/3, que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passou a investigar a suposta formação de cartel entre departamentos de Recursos Humanos de empresas do setor de farmacêuticas. Em artigo publicado no Conjur, é mencionada que devem ser investigadas 37 empresas como Abbott, Bayer, Johnson & Johnson, Roche, Novartis, Siemens Healthcare, Alcon e Valeant.

Caso seja comprovada as denúncias, as sanções podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto. O que está sendo investigado é a suspeita de que as empresas teriam estabelecido de forma coordenada valores e condições para contratação de mão de obra. Não há prazo legal para o final da apuração. A investigação trata de práticas anticompetitivas incluindo possíveis acordos de fixação de remuneração e acordos de não contratação de trabalhadores, assim como trocas de informações concorrencialmente sensíveis relacionadas a salários, benefícios e compensações em geral, entre empresas do setor de saúde.

Um dado importante disponível no site do Cade são volumes monetários de multas aplicadas por este órgão. Vou limitar aos dois últimos anos, abaixo cito o site para maiores consultas, assim em 2020, ano de pandemia, o valor aplicado foi de R$ 142.239.636,80. Já no ano 2019, o montante aplicado foi de R$ 792.583.184,70[3].

Desta forma, entendo que temos que alertar as empresas como um todo. O tema é de extremamente relevante e inclui algumas particularidades, como o fato de que mesmo empresas, que não concorrem em sua atividade principal, podem ser consideradas concorrentes no mercado de contratação de profissionais.

Sabemos que hoje as autoridades possuem diversas formas de cruzamentos eletrônicos digitais de dados, tais como de remuneração, cargos e vínculos empregatícios, dentre outras informações. Um dos canais atuais é o próprio sistema do Governo implantado recentemente: o e-Social, como também outros sistemas informáticos.

Importante destacar que independentemente do porte ou setor de atuação da empresa, este tema deve ser discutido internamente. Bem como, recomendo estudos e treinamentos sobre o tema, alertando contra a ilegalidade dessas práticas e prevenindo riscos no âmbito antitruste. Identificadas as inconformidades na gestão dos RHs, além de adequar de imediato as rotinas, há também que se estudar a conveniência e oportunidade de propor, junto ao Cade, a opção da leniência, como forma de proteção da empresa e dos indivíduos envolvidos nas condutas reprováveis.

Como destacamos acima, quem primeiro denunciar tem a delação premiada, a regra de ouro da Leniência é ser o primeiro a demonstrar, pois a lei é clara, pois a imunidade só é conferida ao primeiro que reportar a conduta para a autoridade antitruste. A abrangência desta imunidade é condicionada ao entendimento do Cade e do Ministério Público se tais práticas implicam em exposição criminal.

Para saber mais sobre Acordo de Leniência pode ser consultado o próprio site do Cade em https://www.gov.br/cade/pt-br

Tânia Gurgel

Sócia da TAF Consultoria Empresarial

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