Desenviesar-se

Um dos maiores desafios das empresas que se lançaram no objetivo de se tornarem mais diversas e inclusivas é justamente reduzir a influência dos vieses inconscientes em seus processos, principalmente os que envolvem a gestão de pessoas e que muitas vezes resultam em decisões excludentes na contratação, nas promoções e na concessão de oportunidades de desenvolvimento.

Vieses estão na base de decisões nem sempre objetivas como: adiar a promoção de mulheres que acabaram de ser mães para cargos de liderança pela crença de que elas serão menos comprometidas nesta fase da vida; excluir profissionais já por volta dos 45 anos das oportunidades de acesso à alta gestão pela crença de que, se não chegaram lá até aquele momento, então não têm condições de desenvolver as competências necessárias faltantes; ou impor critérios acima das exigências reais da vaga na esperança de, assim, selecionar os melhores candidatos, entre outras situações que acabam por minar a credibilidade dos esforços de diversidade e inclusão quando em curso na organização.

Mas afinal, o que são vieses e, o mais importante, como evitar que eles resultem em decisões excludentes? Vieses inconscientes podem ser definidos como preconceitos ou julgamentos contra ou a favor de algo ou alguém de raízes no inconsciente, mas baseados na experiência humana e que resultam em associações implícitas. Na nossa história evolutiva, os vieses resultaram em decisões lastreadas por crenças às vezes irreais, mas que contribuíram de alguma forma para a sobrevivência da humanidade como espécie. Um exemplo clássico é quando povos vizinhos foram rotulados como perigosos, beligerantes, canibais ou selvagens sem que necessariamente o fossem, a fim de que seu território fosse evitado. Esse viés em particular salvou muitas vidas, mas também consolidou preconceitos e rótulos que ainda hoje têm ecos no mundo moderno. Assim fica claro que os vieses são parte da natureza humana. Eles não podem ser eliminados por completo em nenhuma situação e todos nós os temos, sem exceção.

No contexto das organizações, o desafio continua sendo identificá-los e criar formas para diminuir sua influência nas decisões, principalmente as relativas às pessoas. Quantas vezes profissionais não foram promovidas por expressarem, por exemplo, o mesmo estilo de gestão do decisor (viés de afinidade), ainda que na equipe houvesse colaboradores tão ou mais capazes segundo os critérios realmente importantes para a posição? Quantos homens foram excluídos de vagas que exigiam a capacidade de escuta e acolhimento pela crença de que nem todos possuem tais qualidades, quando, em tese, todas as mulheres as possuiriam (viés de estereótipo)? Quantos recrutadores descartaram currículos de pessoas que passaram por diversas empresas em pouco tempo rotulando esses candidatos de descomprometidos (viés de confirmação)? Quantas mulheres não foram demitidas após a licença maternidade pela crença de que o comprometimento e a produtividade delas jamais seriam os mesmos, ao contrário dos homens pais recém-tornados (viés de maternidade)?

Muitos de nós já fizemos tais julgamentos ou outros da mesma natureza. Admitir que vieses se manifestam em nós na forma de ideias pré-concebidas é o primeiro passo para combatê-los e diminuir sua influência. Esse exercício consiste num esforço coletivo, que ganha corpo na organização quando lastreado pelo exemplo de seu CEO, no sentido de se evitar o pensamento fácil e automático das ideias pré-concebidas. Não é fácil. Muita gente reage mal à ideia de admitir um preconceito próprio. Mas existem técnicas bastante consolidadas para vencer essa resistência e estruturar processos decisórios que reflitam sobre os vieses existentes na organização.

Além de evitar as armadilhas mentais do raciocínio automático, o combate aos vieses organizacionais requer também questionar sempre as primeiras impressões. Demanda ainda um esforço de se colocar no lugar do outro e absorver perspectivas diferentes, o que pode ser feito convivendo com pessoas diferentes, lendo livros que normalmente não se leria, vendo filmes que não se costuma assistir, praticando a escuta ativa numa busca por compreender e absorver a variedade de perspectivas que a vida oferece.

Uma revisão cuidadosa dos processos do RH é outro passo crucial. Sua organização pode começar revendo os anúncios de vagas e os critérios de promoção, que devem se ater aos requisitos realmente necessários à posição, como a clássica exigência de inglês fluente para estagiários que não vão se comunicar com estrangeiros. Também é preciso eliminar das vagas e das comunicações as expressões restritivas de idade, gênero, aparência e qualquer outra forma de exclusão por característica pessoal.

Alguns RHs têm usado o recrutamento às cegas, no qual o selecionador não vê idade, gênero, estado civil, endereço, faculdade e outras informações capazes de motivar preferências. Há empresas que têm reprogramado as Inteligências Artificiais de seleção de currículos para que elas não reproduzam os vieses constantes em seus históricos.

Em suma, é necessário a combinação de atitude reflexiva e uso de ferramentas sistemáticas, mas sempre com cautela, critérios objetivos e, quando possível, com a inclusão de um ‘elemento neutro’, alguém que possa trazer uma posição ‘desenviesada’ às decisões relativas às pessoas.

Letícia Rodrigues é colunista do Portal do Garrett, consultora de Diversidade e Inclusão e sócia-fundadora da Tree Diversidade

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