Existe um novo normal nas relações de trabalho?

Passadas algumas semanas de pandemia, a expressão “novo normal”, cunhada pelo economista Mohamed El-Erian para explicar como ficaria o mundo após a crise econômica mundial de 2008, caiu na boca do povo para tentar explicar nosso futuro após o Covid-19. O mais lido e ouvido é que já estamos vivendo o que será definitivo, o que não corresponde nem de longe à verdade.

Em todo o mundo, as pessoas, empresas, governos e outras instituições reagiram à crise de acordo com seus valores, crenças, repertório conceitual e experiência. Ninguém parou muito para pensar. Houve uma resposta de acordo com os instintos. E, em muitos casos, até dos baixos instintos. Por isso que no início houve mais erros que acertos. Depois cada um foi procurando corrigir o passo.

Neste momento, pode-se dizer que se vive uma normalidade relativa. Não há nenhuma garantia de que os comportamentos exibidos agora cristalizarão no pós-crise, como tem sido dito por muitos com convicção.

Passando para o campo das relações de trabalho, o que se observa é que em cada canto do mundo houve uma reação coerente com a cultura, valores e capacidade econômica para se adaptar às imposições da emergência.

Na Europa, guardadas as diferenças dos respectivos países, os trabalhadores foram fortemente amparados na crise, mantendo uma boa parte dos rendimentos. Os informais, também, receberam uma ajuda substancial. No geral, as demissões em massa foram evitadas. As empresas receberam forte suporte nos diferentes países.

Nos EUA, de forma coerente com o pensamento médio do empresariado e as tradições houve um processo de demissão em massa com o Governo ficando responsável por arcar com o auxílio desemprego. Houve também auxílio às empresas e aos informais.

Os grandes países da Ásia e Oceania lidaram com a crise sem sofrer impacto por longo tempo, houve demissões, mas, no geral, as relações de trabalho foram mantidas nos moldes habituais.

 Na América Latina não é possível encontrar reflexos e reações uniformes. Há muitas distinções entre as medidas adotadas.

O que se pode dizer é que o Brasil foi o país mais afetado pela crise e que a maior parte dos fatos ocorridos está fortemente relacionado com o velho normal.

Aconteceram demissões em massa, ao mesmo tempo, em que um enorme número de empresas reduziu jornadas, salários ou suspenderam o contrato de trabalho. Houve empresas que aproveitaram a oportunidade para retirar direitos dos trabalhadores, outras que tentaram transferir o pagamento dos direitos dos trabalhadores nas demissões para o Governo. Algumas obrigaram os trabalhadores a defender a retomada e até houve algumas que os colocaram de joelhos nas portas das lojas.

Mas, não foi só.

Sindicatos de trabalhadores começaram a cobrar para fazer acordos com as empresas. Outros se recusaram a negociar e ameaçaram as empresas com greves, como se isso fosse possível neste momento.

Por outro lado, ocorreram coisas boas como o movimento não demita que reuniu quase 2.000 empresários e muitas negociações conduzidas com seriedade por sindicatos laborais, patronais e empresas. Muitas empresas continuaram a tratar seus empregados com respeito e atenção.

Houve uma pandemia de home office e muitos gerentes se surpreenderam com os trabalhadores cumprindo suas obrigações sem precisar de chefe pegando no pé ou fungando no cangote.

As empresas rapidamente implantaram novos protocolos de organização no trabalho e se desdobraram para garantir a segurança e a saúde dos empregados que continuaram a trabalhar normalmente nas fábricas, comércios e serviços.

Há notícias de crescimento da produtividade e comprometimento maior dos trabalhadores.

O que vai permanecer finda a pandemia e as dificuldades econômicas que a sucederão?

É possível afirmar que o home office veio para ficar e que as viagens a trabalho serão significativamente reduzidas.

Nesse momento, há três discursos sobre o futuro das empresas e dos trabalhadores mencionados com recorrência por economistas, empresários e jornalistas. Fala-se na necessidade de ter de forma permanente políticas de renda mínima, a necessidade de construir um novo pacto social tanto no Mundo, como em cada país e, ainda, na remodelação da economia para garantir a sustentabilidade social e ambiental. Dentro deste campo já se discute a redistribuição mundial da produção.

É bom destacar que não é possível que as abordagens sejam feitas de forma unilateral. É obrigatório o envolvimento de todos os atores sociais nesse processo. No caso do Brasil, isso deve merecer mais ênfase, pois, nos últimos anos assistimos à adoção de leis para implantar de mudanças sociais que foram feitas sem ouvir de forma efetiva os trabalhadores e as entidades que os representam.

Por último, é bom lembrar que, superada a crise, os atores sociais que cometeram pecados durante a pandemia certamente serão cobrados pela sociedade, não importa se empresários, sindicalistas ou políticos.  

José Emídio Teixeira

Professor de Relações de trabalho da Fundação Dom Cabral e diretor da Dialogar - Consultoria de Relações de Trabalho

José Emídio Teixeira – Foto divulgação

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